Eu digo que sou conservador e sou conservador mesmo, mas não posso sair dizendo isso por aí sem me justificar, porque qualquer um que me conheça mais de perto certamente vai torcer a cara e dizer, em tom desconfiado ou de galhofa: "Tu, conservador? Conta outra, maluco!" Conto não, é isso aí, sou conservador sim!
Para todos os efeitos de direito, eu sou uma alma perdida, um doidão inveterado que se deixou corromper pelo discurso da lei - no caso, meu verdadeiro descaminho. Na minha ficha criminal constam: iniciação ao canabinismo aos 13 anos; infecção pelo vírus do hard rock aos 14, com dois anos de estágio em punk e pós-punk avançados; boêmia crônica a partir dos 16 - fato agravado pela minha atuação paralela como músico e minha posterior descoberta de Rimbaud e

Mas isso tudo, gentes, é só a "história externa"; é só epifenômeno. O que permaneceu escrupulosamente intocado ao longo de todos esses anos e de todos esses capítulos da minha novela rocambolesca, foi o meu espírito conservador, meu senso de preservação. Afinal, ser conservador nada mais é do que isso: ter um sentido de preservação apurado e ativo. Um sentido de preservação, diga-se, que ultrapasse a mera continuidade da existência física. O conservador é alguem que considera as coisas permanentes mais satisfatórias, e ainda assim sabe que "a mudança é o meio de nossa preservação" (Burke).

Não desconheço que há grandes disputas intelectuais e ideológicas ao redor do conservadorismo como doutrina moral e política, e sei que sua definição e todos os seus parâmetros mudam bastante entre o Appel aux Conservateurs, de Comte, e The Conservative Mind, de Russel Kirk - isso sem falar nas desinteligências que há sobre o que é ser conservador em termos artísticos, econômicos, religiosos, jurídicos etc. Deixo isso claro porque aquele mesmo lá do começo, que questiona meu conservadorismo, pode imprecar - não sem certa razão - que muitos conservadores se vinculam a um paroquialismo ético incompatível com posturas mais modernas e avançadas no campo das relações sociais, e eu sinceramente não acho que mereça passar por comunitarista ou reacionário. Meu auto-proclamado caráter conservador não se alinha bem ao cânone: assim, só pode ser conservadorismo não-ortodoxo.
Deixem-me exemplificar. Barthes faz a pergunta: "Por que durar é melhor que inflamar?" Eu respondo, conservadoramente: porque se inflama e não dura é porque não tinha muito o que queimar, ou então porque o queimador está desregulado, e faz-se como quem come todas as refeições do dia em uma só, para não ter que se preocupar com isso mais tarde. E quem diz que nessa vida é preciso "beber de todas as águas", nunca teve uma desinteria daquelas, ou

A essa altura do campeonato, já estou comprometido demais com minha auto-imagem "conservadora" para deixar de ir até o fim, então vamos. A verdade é que eu não creio em revoluções como meios conscientes de se chegar a uma dada condição preordenada - nunca cri -, e estou certo de que a única coisa realmente positiva dos momentos revolucionários é confiança na certeza de um passo ousado, que continua a ser essencialmente cego. Por isso nunca fui romanticamente envolvido com a esquerda, e por isso desconfiei a vida toda do materialismo histórico. Isso vale para todo tipo de revolução, e não apenas para as massas, mas antes e sobretudo para as elites (aliás, nada mais anti-conservador do que um noveau riche).
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E por saber que não é fácil ser conservador num mundo fragmentado por idiossincrasias de massa, fica aqui o meu apelo aos revolucionários: tenham amor por si mesmos e salvem os conservadores da extinção.