quinta-feira, 1 de maio de 2008

Experimento semi-onírico

Sempre me senti atraído pela idéia de escrever em situações-limite, aquelas em que a razão esmaecida claudica perigosamente à beira do abismo - não necessariamente sob o influxo de quaisquer aditivos, embora também. Penso no conceito de "stream of consciousness" de Joyce, na "escrita automática" de Breton, nos experimentos frenéticos de Kerouac em seu "Book of Dreams", na vidência auto-induzida de Rimbaud, apenas para ficar com os mais conhecidos. Sempre me seduziu a coisa da psicografia, como Chico Xavier mesmo: esse estado quase catatônico em que a mente capitula sob a força de um daemon, que é o próprio eu esvaziado de si. "Eu é um outro", diria aquele mesmo Rimbaud. Aliás, os alemães (sempre eles!) têm uma expressão deliciosa para designar esse momento de euforia criativa sem peias: Mich reitet auf einmal der Teufel! O diabo, de repente, me cavalga. Saravá!
Obviamente, não foram poucas as minhas tentativas de me levar até as bordas desse precipício vertiginoso. Agora mesmo, os olhos pesados de sono, a cabeça túrgida, o corpo ligeiramente febril, empenho-me em sustar a intrusão de meu senso crítico e não voltar os olhos sobre a frase já escrita, em abolir o desejo de "estar no comando", em deixar os dedos simplesmente irem, sem me importar tanto para onde. Mas... que fiasco! Nunca obtive resultados que não fossem estritamente episódicos, nunca consegui empregar meus artifícios de dissipação de forma consistente. Era assim, aquém ou além, e nada disso interessa. No meu caso, a tendência sempre foi de me abismar, de "passar do ponto". No outro dia, a sensação era sempre a de que o meu demônio me havia pregado uma peça - como se o sapato de cristal da Cinderela poética, na correria, não tivesse ficado para trás, mas se partido irremediavelmente, se pulverizado mesmo, e ela fosse condenada a vagar o resto da vida carregando a evidência reluzente e concreta de sua fantasia impossível.
De qualquer forma, não me dou por vencido, e me recuso terminantemente a acreditar que minha escritura não passa de "cerebrally selective craftsmanship". Mas ainda não foi dessa vez.