domingo, 26 de julho de 2009

Spleen (ou poesia ridícula para aliviar os cotovelos, mascarar a burrice e organizar o descontrole)

Hoje, espantei para longe minhas certezas;
Não sei, por exemplo, se o solstício é de verão ou inverno.
Conheço apenas do betume noturno a fundura espessa,
O rastro molusco dos astros e a saudade dos amantes.

Já não sei, dentre tantas vidas, qual a que me toca,
Ou se toca, ou se esta boca plena de um grito surdo
E estes olhos desmedidos são de pavor ou gozo,
Ou de um pavoroso gozo, semelhante ao partir.

Nenhuma outra noite arrastará mais longo vestido de pêsames.
Que digo! – mais longa ainda é a ambição dos alfaiates;
Dura nas pestanas o gosto tíbio dum sono sem sonhos,
Como na mão da feiticeira a túmida rosa colhida.

Estou perdido entre os estilhaços alfanuméricos do calendário,
Preso nalguma data infinitesimal, nem ainda, nem já.
Aqui não fazemos aniversário, ou descobrimos novas carícias.
Somente tua saliva ou teu suor fermenta entre meus dentes.

Estás ausente. Estou ausente. Talvez por isso mesmo
Estes espectros recalcitrantes esganam a clepsidra,
Empenhados em massacrar nossas parcas felicidades canoras,
Em fustigar-nos com o tédio, a chuva e o silêncio.

Longe erram minhas certezas; abandonaram-me,
Tão sorrateiras e sem susto como o passeio dos gatos,
Tão mudas, tão dormentes como rios subterrâneos
Que secassem. Assim capitulou minha língua e emagreceram os nomes.

Tanto melhor: sou agora aquele em que todas as coisas não estão,
Em que as horas entristecidas coagularam, e estancaram as nuvens.
Sou igual a esta noite de solstício (não sei se de verão ou inverno),
Noite desde dentro, noite-resto, donde fugiram todas as cores.

Igual à noite primitiva das vidas que não surgiram.
Que sentido há em dizer “isto é por certo”, ou “é verdade”,
Justo eu, que não és? Melhor tudo em mim ter sido abandono,
Espera e tentativa. Se nada aguardo, ninguém poderá tomar-me de assalto.