segunda-feira, 26 de maio de 2008

Apelo aos Revolucionários







Eu digo que sou conservador e sou conservador mesmo, mas não posso sair dizendo isso por aí sem me justificar, porque qualquer um que me conheça mais de perto certamente vai torcer a cara e dizer, em tom desconfiado ou de galhofa: "Tu, conservador? Conta outra, maluco!" Conto não, é isso aí, sou conservador sim!

Para todos os efeitos de direito, eu sou uma alma perdida, um doidão inveterado que se deixou corromper pelo discurso da lei - no caso, meu verdadeiro descaminho. Na minha ficha criminal constam: iniciação ao canabinismo aos 13 anos; infecção pelo vírus do hard rock aos 14, com dois anos de estágio em punk e pós-punk avançados; boêmia crônica a partir dos 16 - fato agravado pela minha atuação paralela como músico e minha posterior descoberta de Rimbaud e de todos os malditos clássicos da poesia, aos 17; aos 18, entrando na universidade, iniciam-se minhas atividades de quadrilheiro, na época já interdisciplinar (o curso de direito funcionava no campus, no mesmo prédio em que comunicação e economia, logo diante do prédio das humanas): movimento estudantil e movimentação cultural alternativa; aos 20, depois de uma temporada de epifanias espirituais no coração místico do Plananto Central, incorro em ovo-lacto vegetarianismo cominado com magismo, demonologia, parapsicologia, ufologia, cabala, candomblé e afins; isso afora um bocado de outros pecadilhos, de que terei a delicadeza de poupar o leitor sensível ou impressionável.

Mas isso tudo, gentes, é só a "história externa"; é só epifenômeno. O que permaneceu escrupulosamente intocado ao longo de todos esses anos e de todos esses capítulos da minha novela rocambolesca, foi o meu espírito conservador, meu senso de preservação. Afinal, ser conservador nada mais é do que isso: ter um sentido de preservação apurado e ativo. Um sentido de preservação, diga-se, que ultrapasse a mera continuidade da existência física. O conservador é alguem que considera as coisas permanentes mais satisfatórias, e ainda assim sabe que "a mudança é o meio de nossa preservação" (Burke).

Não desconheço que há grandes disputas intelectuais e ideológicas ao redor do conservadorismo como doutrina moral e política, e sei que sua definição e todos os seus parâmetros mudam bastante entre o Appel aux Conservateurs, de Comte, e The Conservative Mind, de Russel Kirk - isso sem falar nas desinteligências que há sobre o que é ser conservador em termos artísticos, econômicos, religiosos, jurídicos etc. Deixo isso claro porque aquele mesmo lá do começo, que questiona meu conservadorismo, pode imprecar - não sem certa razão - que muitos conservadores se vinculam a um paroquialismo ético incompatível com posturas mais modernas e avançadas no campo das relações sociais, e eu sinceramente não acho que mereça passar por comunitarista ou reacionário. Meu auto-proclamado caráter conservador não se alinha bem ao cânone: assim, só pode ser conservadorismo não-ortodoxo.


Deixem-me exemplificar. Barthes faz a pergunta: "Por que durar é melhor que inflamar?" Eu respondo, conservadoramente: porque se inflama e não dura é porque não tinha muito o que queimar, ou então porque o queimador está desregulado, e faz-se como quem come todas as refeições do dia em uma só, para não ter que se preocupar com isso mais tarde. E quem diz que nessa vida é preciso "beber de todas as águas", nunca teve uma desinteria daquelas, ou quer se vingar da própria burrice no fiofó alheio - afinal de contas, há sempre algo de didático na sina dos bois de piranha. Liberdade sexual feminina? Simetria inata entre os sexos? Bem, há estudos que demonstram que, em condições de relativo equilíbrio entre os gêneros, adolescentes atraentes que se mantém reservadas sexualmente possuem alto "valor de mercado" e geralmente atraem as melhores perspectivas de investimento parental masculino de longo prazo, ao passo que as "assanhadas" precisam adaptar suas estratégias para extrair pequenas parcelas de recursos (não estou falando de dinheiro ou bens materiais apenas) de uma série de homens. Não se pode negar que há quem se divirta assim, e ter um homem fixo à tiracolo não é necessariamente algo que uma mulher precise. Mas as implicações do corrente estado de frouxeza da moral sexual sobre a tessitura da sociedade são amplas demais para serem simplesmente desprezadas. A pusilanimidade masculina generalizada só confirma isso.

A essa altura do campeonato, já estou comprometido demais com minha auto-imagem "conservadora" para deixar de ir até o fim, então vamos. A verdade é que eu não creio em revoluções como meios conscientes de se chegar a uma dada condição preordenada - nunca cri -, e estou certo de que a única coisa realmente positiva dos momentos revolucionários é confiança na certeza de um passo ousado, que continua a ser essencialmente cego. Por isso nunca fui romanticamente envolvido com a esquerda, e por isso desconfiei a vida toda do materialismo histórico. Isso vale para todo tipo de revolução, e não apenas para as massas, mas antes e sobretudo para as elites (aliás, nada mais anti-conservador do que um noveau riche).
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E por saber que não é fácil ser conservador num mundo fragmentado por idiossincrasias de massa, fica aqui o meu apelo aos revolucionários: tenham amor por si mesmos e salvem os conservadores da extinção.