segunda-feira, 2 de junho de 2008

Leveza


Reclamaram* comigo que esse blog anda meio pesadão, meio cabeçudo demais. Vá lá, não se deixa de ser quem se é por decreto, e por isso só me resta pedir paciência. Mas há um lado meu que é leve, tão leve que flutua longe - e é por isso mesmo que eu tendo a metê-lo na gaveta.

Assim, instado, resolvi aliviar um pouco e escrever este intermezzo.

Hoje fui almoçar com minha filha num restaurante perto da minha casa. É um lugar legal, com boa comida, bem freqüentado. Sempre vou lá, e talvez por isso mesmo tenda a ficar um pouco inerte para o espetáculo humano do cotidiano - mesmo poucas coisas sendo mais humanas que sentar-se à mesa para comer. Hoje, porém, estava particularmente sensível às presenças à minha volta e não pude evitar de prestar atenção.

E digo que estava sensível porque, por alguma razão, as pessoas me pareciam bonitas, bem dispostas, contentes consigo mesmas, realmente dignas de admiração. Logo ao meu lado havia uma mesa longa, cheia de ponta a ponta, com jovens na faixa dos 20 e outros jovens na faixa dos 40. Todos pareciam muito alegres de estar ali, e isso por si só já tirava toda a trivialidade da situação. Havia um clima de simpatia e gentileza entre aquelas pessoas que me contagiou. Um casal muito bonito - uma moça de lindos olhos verdes e um rapaz que parecia um galã de novela das sete - se afagava discretamente o tempo todo, e conversava alegremente com os outros, embora para mim fosse evidente que a verdadeira conversa estava naqueles dedos entrelaçados.

À minha frente, um outro rapaz, sozinho, comia um prato um tanto sem cor de salada, ele mesmo estando bem colorido, de cáqui, vermelho e verde escuro. Parecia feliz com seu repasto monocromático, mas seus olhos brilharam mesmo quando (e sei porque acompanhei seu olhar) uma dupla de moças muito bonitas passou por trás da minha cadeira e logo à sua frente. Virei a cabeça sobre o ombro direito e ainda tive tempo de ver como as duas eram realmente atraentes - uma delas, uma morena de pele homogênea e um pouco acima do peso, tinha um ar de inteligente, talvez por causa dos óculos. Na volta, o rapaz de novo as acompanhou com interesse, mas sem nenhuma atitude de rapina. Terminou de comer e foi embora tranqüilamente.

Mais adiante, três homens numa mesa conversavam. Um deles, o mais velho, era do tipo branco-avermelhado, com espessas sobrancelhas desbotadas, e ouvia quase sem falar nada, com uma clara satisfação estampada na cara. Os outros dois eram parecidos, e se não eram irmãos eram primos, e se não eram nada, na minha imaginação eram. Estavam com a barba por fazer, o que acentuava o tom másculo de suas vozes. Pareciam se divertir com algo inofensivo, e não foi difícil ver neles dois moleques relembrando alguma malcriação boba, sob as vistas condescendentes do pai.

Depois de passear tanto ao redor de mim, voltei os olhos para a lindeza logo debaixo do meu nariz. O prato que eu fiz para ela estava muito bonito e só com coisas que ela gosta, por isso não fiz esforço para que ela comesse tudo. Dei-lhe a comida na boca com toda paciência do mundo, e ela não derrubou nem cospiu nada. Eu tinha dito antes que a levaria ao shopping, mas como saímos de casa um tanto tarde, acabou que não deu. Mesmo assim, ela não reclamou, sobretudo depois que eu prometi que a levaria ao parque Guanabara ainda essa semana. Quando falei, ela pulou da cadeira, me beijou e me abraçou efusivamente. Uma moça que estava sozinha numa mesa atrás de mim, parou e ficou observando a cena, com um sorriso parado no canto da boca. Senti um orgulho imenso com aquilo.

Apesar do que possa parecer, eu não estava ali como quem contempla uma cena à distância. Eu era parte daquele episódio, e me sentia assim. O discreto casal, as lindas moças, os rapazes com cara de travessura, não estavam "lá fora", e portanto não se punham como objetos de desejo. Foi assim que me dei conta de que era bem provável que todas aquelas percepções fossem apenas um reflexo do que me ia por dentro - essa euforia sóbria, essa eletricidade circular que se acresce em mim a cada dia.
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Tenho me achado muito interessante esses tempos - atento, alerta, amável, absolutamente afinado com a verdade dos meus sentimentos. Sem querer, sussurro em silêncio, nas entrelinhas de tudo que digo e faço, o segredo do meu coração.



* Quem tiver sido se acuse - ou não!