quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sobre durar e ser efêmero


Aquele texto do Jabor musicado pela Rita Lee, "Amor e Sexo", é bem conhecido, quase lugar comum, devido à imensa popularidade que alcançaram texto e canção. Não vou aqui dar uma de intelectual metido a besta e dizer que a crônica do Arnaldo Jabor não é bacana, ou que sua versão poética não tenha ficado interessante - embora o som da Rita seja mais meloso do que é meu gosto. Colocado em forma de dualidades excludentes entre si e complementares, o tema ganha expressividade e profundeza, apontando ao mesmo tempo para as aporias do amor romântico e os paradoxos do sexo livre e da "indústria da sacanagem". Assumo que gostaria de ter escrito aquela crônica, muito embora duvide que minha palavra, pesada como é, o tivesse permitido.

Para falar sobre o que quero, começo observando que algumas daquelas "forma duais" de amor e sexo parecem apontar no sentido de que o amor aspira à duração, enquanto o sexo é breve. Basta ver: "Amor é propriedade. sexo é posse. Amor é a casa; sexo é invasão de domicílio." " 'O amor, se não for eterno, não era amor' (Nelson Rodrigues)." " O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas..." "O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o amor vem de nós e demora. O sexo vem dos outros e vai embora." " Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados. " Mas não estou dizendo que essa seja a mensagem do texto, até porque o intrincado dos diversos dualismos não permite uma solução unívoca; estou apenas anotando que esse velho clichê de que o amor é estável e o sexo se desvanece está presente ali.

Para reforçar o mote, vou repetir um trecho de informação já também bastante circulado:


"Segundo uma pesquisa sobre a natureza do amor e da paixão, feita recentemente nos Estados Unidos, em que foram entrevistadas 5 mil pessoas em 37 culturas, há uma série de evidências de que essa exaltação [da paixão] seja criada por um coquetel de substâncias químicas cerebrais e deflagrada pelo condicionamento cultural. Os pesquisadores observaram que esse tipo de emoção não dura mais que dois anos e meio, quando a pessoa começa a voltar a um estado mental relaxado. Em meados da década de 60 a psicóloga americana Doroty Tennov já havia chegado à conclusão de que a duração média de uma paixão é de 18 meses a três anos. Suspeita-se que seu término também se deva à fisiologia cerebral; o cérebro não suportaria manter eternamente essa excitação."*

Ok, vamos dar o braço a torcer: ninguém vive em eterno estado de graça, até mesmo porque assim o estado perderia a graça. Um olho exposto ao sol sem piscar durante um longo tempo no fim termina cego. Além do mais, a experiência da diferença está na intermitência, no atravessar e reatravessar de uma forma. Se fosse possível viver em eterna excitação passional, a volúpia, esse querer abismar-se, não seria tão interessante quanto é, sendo fugaz: as ardências que consomem o apaixonado logo perderiam a graça, ou se fariam mecânicas, previsíveis, e igualmente se anulariam.

Quer dizer então que o destino do amor é se tornar como uma coluna de granito, com uma ou outra eventual florzinha lhe brotando dos flancos? Já que "o amor é uma espécie de gratidão posteriori pelos prazeres do sexo" e "o amor vem depois, o sexo vem antes", este último está fadado a minguar, enquanto o outro, nobre, rebrilha em sua imortalidade? Quem já se deu conta da fenescência do corpo e sua submissa obediência à gravidade há de concordar, sobretudo se lhe pulsar uma veia romântica.

Eu, de minha parte, não estou bem certo. Por dois motivos.

Primeiro, porque acredito que a velhice não tem autoridade para nos roubar o tesão. E isso simplesmente porque, hoje mais que no passado, é possível envelhecer com saúde - no corpo e na alma. Obviamente, o tesão não é o mesmo ao longo da vida - tenho dificuldades em imaginar grupos de anciãos trotando alegremente pelas ruas à noite, em busca de aventuras, como sendo uma cena comum. Mas nem por isso deixa de ser tesão. Aliás, tanto bom amor quanto bom sexo reclamam higidez.

Segundo, porque tendo a acreditar que o "entendimento do corpo com outro corpo" (penso em Manuel Bandeira - "A Arte de Amar"**), quando verdadeiro e secundado por um sentimento mais profundo de compatibilidade e satisfação espiritual, pode se manter inteiro por prazo indeterminado. Não estou falando do corpo, saco biológico de humores e hormônios, ou pelo menos não apenas dele, mas do Corpo, esse lugar privilegiado da alma, e que a acompanha, na sua intimidade, mesmo quando a autoridade da razão imposta pelo eu o força a ir por um outro rumo. O corpo sabe, e fala, embora também seja preciso saber entendê-lo e escutá-lo.

Não tenho nenhuma intenção de meter meu bedelho em coisas moderninhas do tipo "poliamor", nem mesmo em fenômenos como a proliferação das "monogamias em série". Outro momento, quem sabe, embora tenha deixado pistas sobre minha visão pessoal sobre a questão na postagem anterior. Na verdade (novidade!), eu sei que os modelos de relacionamentos amorosos disponíveis para o freguês são sortidos. Mas o que importa, ao cabo, entre durar e ser efêmero, é a experiência da travessia - esse trânsito entre o carnal e o transcendental que só os amantes autênticos sabem fazer, e fazer, e continuar fazendo.


P.S.: Dylan Thomas, o louco Gigante Branco sobre a Colina das Samambaias, esclarece bastante o assunto, ao falar sobre "inspiração":
"Para mim, o 'impulso' poético ou a 'inspiração' é apenas a súbita, e geralmente física, chegada da energia para a perícia e o senso estrutural do artesão"
Não é menos, nem mais - a despeito daquele "apenas". Sem uma ou sem outra, a poesia murcha.




* Ler matéria sobre o papel da fisiologia hormonal no processo aqui.