quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Sem remendos


Não vou dizer que 2009 foi um ano fantástico, incrível, porque minha vontade, no fundo, é dizer que foi uma merda completa. Mas não, não foi. O ano, para mim, foi cheio de enlances e desenlaces que, no fim das contas, deixaram muitos fios soltos. E fios soltos, perceba-se, não são necessariamente ruins, sobretudo para quem tem uma boa tessitura já encaminhada. Quando as tramas não se completam, quandos as padronagens não se encaixam, quando, por uma razão ou outra, os novelos se emaranham e a urdidura da vida não revela um belo feito, algo de que se possa orgulhar e que se possa usar - quando não aparece na outra ponta do tear um cachecol, um gorro ou uma meia que possam efetivamente adornar, aquecer e proteger os pés -, é hora de, pacientemente, sem desespero, puxar as linhas que ainda estão à mostra, para chegar aos nós e desfazê-los, ou cortá-los, salvar o que já está pronto e continuar.

O fato de eu não considerar o ano que passou um ano de merda (e, daqui de dezembro, vejo que 2009 já acabou há um bom tempo), apesar dos diversos eventos calamitosos e exaurientes que o marcaram, se deve fundamentalmente a um reencontro inesperado com certas formas de ação, certos "fusos" meus, uns que estavam esquecidos, outros simplesmente abandonados - ou quem sabe nem tanto o reencontro em si, mas o que este deflagrou em mim. Aqui não é um espaço de confissões, de modo que não me interessa narrar o que seja ou o que deixe de ser, especificamente. Só o que importa, a título de documentação e compartilhamento, é dizer, a quem lê e, por isso mesmo, a mim também, como consegui chegar a essa percepção.

De cara, foi necessário reconhecer (ou seja, conhecer de novo, redescobrir) que estar despido e inteiro diante do que se lhe quer impor como dor, fracasso e desengano, não é uma virtude, não garante coisa nenhuma, não faz de ninguém maior, mais consciente ou menos cego que ninguém. Desmanchar o entramado mal feito, desatar, cortar nós, trocar os fusos, é um imperativo de sobrevivência, um instinto perfeito, a mais adequada reação diante da morte. Quem está despido e inteiro tem que se virar consigo mesmo, sem perhaps, sem embromação, só corpo e espírito contra o que vier.

E é por causa disso, acredito, que quem quer se salvar, se perde, tem que se perder. "Perder" não é se entregar, não é capitular - pelo contrário! "Perder" é se lançar sem medo sobre o que pode te estraçalhar, é estar estraçalhado e não deixar a costura para depois, é atravessar o abismo pelo caminho mais curto, sem rede de proteção, porque o mais longo, com rede e tudo, não compensa. Não estou aconselhando ninguém a ser impetuoso, estouvado, de modo algum! Mas muitas vezes o resultado de uma ação pensada e bem planejada resulta em desastre, enquanto a mira feita pelo canto do olho, vendo sem ver, acerta no alvo. Como saber? Perdendo. Em ambos os casos, contudo, é preciso ter coragem: para aceitar bem como para saber que nem sempre vai dar certo.

"A natureza não premia coisas boas: ela premia coisas eficientes. Se você quer um mundo com coisas boas, seja eficiente protegendo-as", diz o Anarco. Certíssimo: fazer o que tem que ser feito quase nunca é bonito, limpo, bem ordenado, confortável ou fácil - mas sempre compensa. E não se pense que quem já tem um bom acervo de conquistas e perdas é mais capaz de fazer o que é necessario que quem ainda hesita em se atirar ao mundo, porque ninguém gosta de se ferir, e quem já se feriu muito costuma ter mais medo de se ferir que quem ainda tem poucas cicatrizes nas costas. A vantagem de quem já é lanhado - aliás, relativa - é só a de poder dimensionar as coisas num horizonte mais amplo, e com isso poder decidir melhor se vai deixar rolar e não insistir, ou se vai atacar.


O que vai fazer diferença na nossa tecelagem é a ousadia de não admitir remendos à toa, nem cerzidos de conveniência. No desenovelar da história, Átropos, a inexorável, sempre estará de tesoura em punho.

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