segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Objetividade, isso é possível?

Hoje levei uma traulitada certeira, dessas boas, que a gente na hora não vê de onde vem – ou melhor, até vê, mas não sabe que pegou até começar a doer. Não vou descrever a ocasião, que não vem ao caso, mas escrevo aqui sobre seus efeitos, a propósito de aliviar-me e entender o ocorrido.

Desde que comecei a ler sobre construtivismo, sobretudo as vertentes sociológicas e cognitivas, o conceito de objetividade se tornou mais fluido, mais fugidio, quase uma quimera. A bem da verdade, eu já havia me deparado com a evidência dessa “realidade construída” bem antes, quando minha paixão maior ainda era a lingüística: meus mestres Jakobson, Hjelmslev, Saussurre e Peirce – sobretudo o primeiro – já me haviam chamado a atenção para a artificialidade do mundo criado pela linguagem, para o descompasso, o vazio entre o significante e o significado. “O mundo é tudo o que é o caso”, dizia Wittgenstein, e o caso, a cada vez, é um encadeamento mais ou menos estável, mais ou menos impalpável, mais ou menos extensível, de “recortes” do real, de “traços distintivos” contingentes, que se fixam pela redundância.



Mas não me interessa tanto esse papo cabeça – já acrescentando que, nos últimos anos, vinha dedicando minha atenção quase que exclusivamente aos aspectos teóricos da comunicação, fenômeno bem diverso da linguagem. O que me interessa mesmo é que, nessa vertigem da dissolução do “mundo objetivo”, entre o cristal e a fumaça (Henri Atlan dixit), a única opção viável, do ponto de vista existencial, é render-se à lógica paradoxal do simbólico – como já disse, entre outras coisas, na postagem anterior. E o paradoxo é: o “real” só é acessível pela ilusão do simbólico; a certeza, ainda que provisória, do mundo objetivo, só se revela na construção ficcional de significantes essencialmente vazios.

Nada disso é muito “objetivo”, como vocês podem perceber, quer dizer, não tem um “propósito” específico – no que denuncio meu punctum dolens, meu hematoma, minha ferida: a dificuldade em ser “objetivo”. Chegado aqui, obviamente, recuso-me a fazer uma petição de princípio, a reconduzir minhas conclusões aos meus questionamentos – de que me adiantaria perguntar novamente “mas o que é ser objetivo, se a própria objetividade não tem um conteúdo invariável?”? Daí que só a violência/autoridade de um corte – uma decisão que não vacila – é capaz de nos recolocar, precariamente que seja, no domínio instantâneo do real, da literalidade, do aparente do aparente. Acho que é por isso que um velho ditado ídiche diz: “É melhor um tolo completo do que um meio-sábio.”

Infelizmente, isso não elide o fato de que a certeza é apenas um furo na tessitura das incertezas, sob o perene risco de fechar-se tão logo se abra – assim como o desejo é só o índice de uma falta que nunca se preenche, de um vir-a-ser que nunca é.

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